sexta-feira, 29 de junho de 2012

A Medicalização da Vida


“La medicina ha avanzado tanto que ya nadie está sano”. Aldous Huxley.

Observa-se na sociedade contemporânea uma busca desenfreada por explicações biológicas, fisiológicas e comportamentais que possam dar conta de diversos tipos de sofrimento psíquico, dentre estes, os mais frequentes são a ansiedade, estresse, depressão, síndrome do pânico, transtorno bipolar e fobias. Todos muito divulgados na mídia através de reportagens e documentários que pretendem ajudar os leigos a identificar os principais sinais e sintomas de seu mal estar, contribuindo assim para que muitos pacientes cheguem ao consultório buscando apenas uma validação da hipótese diagnóstica que obteve através de algum site.
Nesta busca por um alívio imediato dos sintomas, constata-se que cada vez mais pessoas depositam sua confiança em receitas rápidas que possam diminuir o mal estar sem se preocupar em buscar um sentido para este sofrimento. A medicalização da vida e do sofrimento tornou-se uma prática comum e na atualidade tornou-se corriqueiro ir a uma consulta e sair com uma receita em mãos. Segundo Roudinesco (2000) há um pagamento do sujeito, pois seja qual for o sintoma, sempre haverá um medicamento a ser receitado:
Cada paciente é tratado como um ser anônimo, pertencente a uma totalidade orgânica. Imerso numa massa em que todos são criados à imagem de um clone, ele vê ser-lhe receitada à mesma gama de medicamentos, seja qual for o seu sintoma. (ROUDINESCO, 2000).
O grande perigo da situação descrita acima é que se cria uma perspectiva totalizadora do ser humano, na qual se pretende atribuir todos os problemas vivenciais, emocionais a uma explicação orgânica e, especialmente, genética. Assim, difunde-se a idéia de que existe um gene que poderia explicar o alcoolismo, as doenças mentais e a infelicidade, fazendo com que hipóteses duvidosas sejam divulgadas pela mídia como fatos comprovados (Leite, 2011).
Explicar e reduzir a experiência humana através de um saber totalitário, de categorias fechadas e limitadas, CID- 10 e DSM-IV, que oferecem explicações prontas para determinados comportamentos diminui o real do sofrimento e a angústia por não saber a razão deste sofrimento. Assim, percebe-se atualmente uma grande adesão a estas formas de explicação que reduzem e até mesmo impedem o homem de construir através de uma experiência particular e subjetiva um significado para seu sofrimento. (idem).
Além da exacerbada carga medicamentosa prescrita aos adultos, uma constatação ainda mais preocupante é o aumento da medicalização da infância. Atualmente observa-se que crianças e adolescentes que apresentam comportamentos e características de personalidade que diferem dos considerados e catalogados como normais são frequentemente enquadrados em categorias nosológicas e assim rotulados como depressivos, portadores de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e/ou Hiperatividade) ou de TDO (Transtorno Desafiador Opositor). Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), somente entre 2002 e 2006, a produção brasileira de metilfenidato, medicamento utilizado para o tratamento do TDAH cresceu 465% e as vendas saltaram quase 80% entre 2004 e 2008.
Cabe esclarecer que os psicofármacos, quando prescritos de forma criteriosa e responsável, tornam-se um importante aliado na luta contra o sofrimento humano, mas de forma alguma se deve restringir o tratamento apenas a uma resposta medicamentosa.
Na contramão destas receitas instantâneas, encontra-se a psicanálise. Há mais de cem anos, através da escuta de pacientes histéricas, Freud descobriu que os sintomas apresentados por estas pacientes não eram decorrentes de nenhuma lesão orgânica, mas que estes possuíam um sentido, um significado e estavam relacionados às experiências vivenciadas por estas pacientes.
Ainda hoje a psicanálise acredita que simplesmente extinguir o sintoma é silenciar o sujeito, pois o sintoma representa a única possibilidade encontrada por esse sujeito de expressar algo insuportável, para o qual ainda não foi possível construir nenhuma significação.
Assim, a psicanálise propõe uma experiência subjetiva na qual o sujeito construirá um significado para seu sofrimento, seu sintoma. Sua regra fundamental é a associação livre, que consiste em que o paciente fale livremente sobre seus pensamentos. Através deste método de investigação busca-se essencialmente evidenciar o significado inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias (sonhos, fantasias, delírios, atos falhos) de um sujeito. Desta forma, o sujeito poderá elaborar situações traumáticas, esclarecer conflitos e ressignificar questões dolorosas.
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"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso.
Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.
Clarice Lispector.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Transtorno de Estresse Pós-Traumático: Descrição Clínica, Sintomatologia, Causas e Tratamento


 


Resumo: O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) se classifica como um transtorno de ansiedade que ocorre após a exposição a eventos traumáticos na vida do sujeito. O presente artigo objetiva elucidar os aspectos principais do TEPT a fim de fornecer elementos para a atualização desse conhecimento. Em seguida, é discutida sua descrição clínica a partir dos critérios do DSM-IV, possíveis causas, sintomatologias e modelos de tratamento psicoterápicos e farmacológicos que podem auxiliar na remissão dos sintomas. Todavia, face à situações traumáticas, o que irá desencadear o transtorno é a vulnerabilidade biológica, psicológica e social em que o indivíduo está inserido. A proposta dessa produção cientifica é articular teoria e prática com o intuito de melhorar o entendimento, aplicabilidade e funcionalidade do manejo clínico e, por conseguinte, fornecer subsídios para a construção do saber psicológico.

Palavras-Chave: transtorno de estresse pós-traumático, descrição clínica, sintomatologia, modelos de tratamento

Considerações Iniciais

Classifica-se o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) como um transtorno de ansiedade que se origina partir da exposição a algum evento traumático, ou seja, uma situação de violência física, acidentes automobilísticos, catástrofes naturais, estupro, seqüestros, morte de entes queridos, assaltos, agressões físicas etc.

De acordo com MESHULAM-WEREBE (2012) Subjetivamente, os estressores provocam um sentimento de medo intenso, de impotência e desamparo. Objetivamente, produz grande variedade de sintomas, como dores de cabeça e crônica, síndrome do cólon irritável, fadiga e alterações autonômicas intensas associadas à ansiedade. Também podem apresentar estados dissociativos, que levam a pessoa a reviver as situações traumáticas sob a forma de flashbacks e pesadelos. Uma pequena proporção dos pacientes pode apresentar uma cronificação dos sintomas, que culmina na alteração permanente da personalidade.

A manifestação do trauma irá depender da suscetibilidade do indivíduo afetado, sua estrutura psíquica e emocional frente às emoções negativas e experiências conflituosas. No caso do sujeito desenvolver o transtorno, pode-se observar a partir da manifestar de algumas características de comportamento atípico, tais como: reviver o evento repentinamente, ficar alarmadas com facilidade, se irritar rapidamente e evitar lembranças que recordem o trauma.

Descrição Clínica

O DSM-IV descreve o cenário do TEPT como a exposição a um acontecimento traumático durante o qual alguém sente medo, desespero ou horror. Posteriormente, as vítimas experimentam o acontecimento outra vez por meio de lembranças e pesadelos. Quando as recordações acontecem muito de repente e as vítimas revivem o fato, fala-se de em flashback. As vítimas evitam tudo que lhes recorde o trauma. (BARLOW,2011).

Os indivíduos que sofrem esse tipo de trauma às vezes não conseguem lembrar alguns aspectos da situação traumática. Isso decorre muitas vezes de um mecanismo inconsciente que visa evitar a lembrança da emoção negativa.

Os critérios para TEPT na quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos mentais (DSM-IV) representam refinamentos dos critérios do DSM-III e da terceira edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos mentais (DSM-IV), baseados em avanços de pesquisa recente. Desse modo, o DSM-IV cita alguns critérios de descrição clínica para o transtorno de estresse pós-traumático:

1. A pessoa experimentou, testemunhou ou foi confrontada com um acontecimento ou vários acontecimentos que envolveram morte ou morte real ou ferimentos graves ou ameaça de integridade física de si mesma ou de outras pessoas; 2. A resposta da pessoa envolveu medo intenso, desespero ou horror; 3. Lembranças angustiantes intrusivas e recorrentes em relação ao acontecimento, incluindo imagens, pensamentos ou percepções. 4. Esforços para evitar pensamentos, sentimentos ou conversas associadas ao trauma. 5. Sonhos angustiantes recorrentes relacionados ao acontecimento. (BARLOW, 2011).

Conforme o DMS-IV algumas características são mais proeminentes no TEPT, ou seja, grande dificuldade para dormir e ter sonhos intrusivos recorrentes sobre o acontecimento são experiências que atrapalham o desenvolvimento social e emocional do indivíduo e dificulta o seu bem-estar na sociedade.

Sintomatologia

De acordo com o DSM-IV (Manual de Diagnóstico dos Distúrbios Mentais) a pessoa que pessoa que foi exposta a um evento traumático pode desenvolver as seguintes características e sintomas: dificuldade para cair no sono ou permanecer dormindo, irritabilidade ou acessos de raiva, dificuldade de concentração, hipervigilância, resposta de susto exagerada, angústia ao se expor a estímulos semelhantes.

Esses sintomas não eram comuns antes do trauma e se apresentam em virtude do evento, surgem de modo persistente, com excitação aumentada, angústia, disfunção clínica significativa na área social, ocupacional e em outras áreas importantes da vida.

Conforme CAMARA FILHO (2001) tradicionalmente a sintomatologia do TEPT é organizada em três grandes grupos: o relacionado à reexperiência traumática, à esquiva e distanciamento emocional e à hiperexcitabilidade psíquica.

Na reexperiência traumática o indivíduo já está afastado da situação estressora, porém, vivencia a experiência de forma contemporânea, algumas lembranças recorrentes que ressurgem de modo intrusivo, provocam um sentimento de angústia e mal estar no paciente. Na esquiva e distanciamento emocional se desvelam um comportamento de afastamento da ansiedade gerada pelo fenômeno traumático, ou ainda, um comportamento de evitar falar sobre o trauma, não falar sobre situações, sentimentos ou pensamentos que relembrem o fenômeno. Pode-se observar ainda a que diz hiperexcitabilidade psíquica que se caracteriza por uma sintomatologia de cunho fisiológico especialmente quando o sujeito está em contato com estímulos-traumáticos.

O TEPT é subdividido em agudo e crônico. O TEPT agudo pode ser diagnosticado um mês após o acontecimento. Quando o TEPT continua por mais de três meses, é considerado crônico. Em seu estado crônico geralmente está associado com comportamentos esquivos mais proeminentes. (DAVIDSON apud BARLOW, 2011).

Deve-se considerar que alguns indivíduos não manifestam sintomas de modo instantâneo, demonstram pouca ou nenhuma característica do trauma, podendo evidenciar um TEPT com surgimento atrasado, esse fato ainda não possui explicações plausíveis e claras na ciência.

Causas

O TEPT é um transtorno cuja origem temos certeza: uma pessoa experimenta pessoalmente um trauma e desenvolve um transtorno. Entretanto, se alguém desenvolve TEPT ou não, é uma questão mais complexa, que envolve fatores biológicos, psicológicos e sociais. (BARLOW, 2011).

A intensidade da exposição contribui para o desenvolvimento do TEPT, mas não é fator determinante para surgimento do problema. Algumas pesquisas apontam que, quanto maior a vulnerabilidade biológica e psicológica, mais propenso o sujeito está de desenvolver o TEPT. Um histórico familiar de ansiedade aumenta a vulnerabilidade biológica para o desenvolvimento do transtorno, assim como, as experiências anteriores e acontecimentos imprevisíveis na vida do paciente.

Alguns autores examinaram os fatores que contribuíram para quem desenvolveu e quem não desenvolveu os sintomas do TEPT, o apoio social dos pais, de amigos, de colegas de escola e de professores foi um fator protetor muito importante [...] quanto mais ampla e profunda a rede social, menor a chance de desenvolver o TEPT. (BARLOW, 2011).

De fato, os aspectos culturais e sociais são fatores importantes no desenvolvimento do transtorno. Entretanto, as causas para a manifestação do TEPT não decorre somente da severidade do trauma, mas tem associações com a simbolização que o indivíduo faz da situação vivenciada a partir de representações mentais articuladas com a cultura que o sujeito compartilha.

Tratamento

Na abordagem do TEPT, as intervenções psicoterápicas e psicossociais, indicadas tanto para prevenção como tratamento do transtorno, têm tido enfoque especial. A atenção voltada às abordagens em questão baseia-se no fato de que nem todos os indivíduos submetidos a traumas importantes desenvolvem o transtorno, o que pode estar relacionado a uma resposta individual ao estressor ou a uma predisposição única daquele indivíduo. (SOARES, 2012).

A maioria dos clínicos acredita que as vítimas de TEPT deveriam encarar o trauma para desenvolver estratégias eficazes de enfrentamento. A técnica de exposição imaginaria tem sido usada sistematicamente por muito tempo, a fim de reduzir o conteúdo do evento traumático e as emoções negativas associadas a este.

O tratamento do TEPT inclui terapia medicamentosa, terapias cognitivo-comportamental e abordagem psicodinâmica. Há estudos demonstrando que alguns tipos de TEPT respondem pobremente a terapias cognitivo-comportamentais e ao tratamento psicofarmacológico. Pacientes que desenvolvem o TEPT complexo, como mencionado, beneficiam-se de terapias psicanalíticas. Ocorre grande semelhança entre a psicoterapia do 'complexo TEPT' e o tratamento analítico de transtornos de personalidade – pode-se perceber uma ligação, pois o trauma precoce é um fator de risco para ambas as patologias. (MESHULAM-WEREBE, 2012).

As técnicas cognitivo-comportamentais trouxeram benefícios significativos no tratamento e redução de pessoas com TEPT, o tratamento farmacológico também é relevante no transtorno de estresse pós-traumático, porém, não existe um tratamento universal para todos os tipos de TEPT, para tanto, é necessário que o profissional faça uma boa avaliação psicológica de modo que atenda a necessidade e angústia do paciente e solicite o melhor e mais adequado tratamento, considerando a singularidade de cada ser humano, sua história de vida,

O tratamento farmacológico desempenha papel importante e efetivo na redução dos sintomas do TEPT. Algumas pesquisas indicam que dentre os medicamentos utilizados, os antidepressivos são os mais eficazes e atuam como bons instrumentos no cuidado da vítima. Nesse caso, destacam-se a imipramina e sertralina como os fármacos que obtiveram os resultados mais positivos.

O trabalho da psicologia deve acima de tudo prestar acolhimento e ajuda a esse homem fragilizado, que muitas vezes perdeu perspectivas de vida, de futuro. E que deve ser entendido em seu contexto integral. O manejo desse profissional e de sua equipe multidisciplinar deve pautar a sua atuação com o foco em aplicar estratégias terapêuticas não só para reduzir os sintomas mais urgentes, mas também possibilitar a reinserção desse sujeito na sociedade, e consequentemente, promover uma melhor qualidade de vida.

Considerações Finais

A partir das observações realizadas através da literatura específica compreende-se que o transtorno de estresse pós-traumático pode se manifestar após um evento traumático ou mais tardiamente. É valido considerar que a realidade subjetiva, os aspectos culturais, a vulnerabilidade social, a natureza do acontecimento em relação ao fenômeno estressor são aspectos relevantes para o desenvolvimento, causas e sintomatologias de tal transtorno. Os tratamentos psicoterapêuticos e farmacológicos são utilizados tanto pra prevenção como também para restabelecer a saúde mental do sujeito e possibilitar uma nova qualidade de vida. Portanto, é necessário à atualização e divulgação desse saber para a promoção de um atendimento de qualidade e respeito para com a vítima e seus familiares.